domingo, 29 de agosto de 2010

Incrivelmente nostálgico

E mais um dia de rock chegou. A menor banda do rock gaúcho, a melhor banda do rock gaúcho. A união de duas das três melhores bandas do rock gaúcho, quiçá brasileiro. E não estou sendo bairrista. Humberto Gessinger e Duca Leindecker. Engenheiros do Hawaii e Cidadão Quem. E agora, Pouca Vogal. Pra quem gosta, é um prato cheio!

Show emocionante, sem sombra de dúvidas. Nostálgico. Era contagiante a alegria dos três apaixonados pela música que ali estavam, dois deles pela primeira vez, um pela quarta, mas empolgado como se a primeira fosse. E esse é um show referencial: pra sempre irá permanecer no inconsciente, pra sempre será lembrado como único, porque não é apenas uma melodia embalando uma letra sem sentido. É o binômio FORMA + CONTEÚDO em sintonia, ou em perfeita simetria. Cai como luva, difícil dizer que não. Azul e vermelho juntos, num grenal sem nada igual... nem a pau!

Não faltava nada, nem as nuvens de algodão. Se faltasse, a gente inventava na hora.

Era estonteante ouvir centenas de vozes entoando um mesmo refrão de bolero, e os que não sabiam fingiam saber.

Num piscar de olhos, tudo se transforma, e a menor banda do rock gaúcho, de repente, não era mais a menor banda, nem mais era um duo. Tornou-se um trio com a participação do irmão rockeiro com cara de gurizão. Luciano e seu instrumentinho, o Quince, presente que ele mesmo fez pro irmão, talvez em troca da música que conta a história da praia do Pinhal. Milagrosamente, dois pedaços de madeira com três cordas de aço e as moedinhas de 5 centavos soaram tão bem quanto o mais afinado violino da orquestra imperial. Mas ele não fez nada que alguém não tenha feito, não. Nem falou nada que alguém não tenha dito, então. Dos quatro shows, esse foi o primeiro que presenciei esse arranjo do moderno com o rústico, tudo em consonância.

As bandas têm uma carência de aplausos, e por isso se utilizam do ‘bis’. E esse foi um bis histórico. Para a surpresa geral, um amigo que de passagem estava, subiu ao palco e fez um Blues sob o céu de Passo Fundo. Nei Van Sória formou o duo com o Duca. Talvez uma das maiores emoções do show.

E ao fim de tudo, pegamos carona com eles numa infinita highway, acima de qualquer radar, pra relembrar os bons tempos do rock, sem saber ao certo onde iríamos descer, pois a dúvida é o preço da pureza, e é inútil ter certeza. Se dependesse de mim, iria até o fim nesse ritmo, com o sol batendo na cara, aproveitando mais um dia especial.

A hora da despedida me fez perceber, lembrar que ali, logo ali, depois da curva, ainda existia um mundo real, mas que as canções que nos foram presenteadas iriam embalar para sempre nossas tardes de domingo.

Pra ser sincero, talvez esse tenha sido o melhor dos quatro.

Eu não vim até aqui para desistir agora. Pois minhas lagrimas, por mais que transformadas em pó, farão que, um dia, eu me transforme em Poucas Vogais. Tententender!


segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Caramelo

Ele botou a mão no bolso. Há muito tempo não o fazia. As recordações não eram das melhores. No escuro do ônibus, as balas eram todas iguais. Ele temia tirar mais uma vez uma daquelas balas de limão.

As balas no geral são gostosas. De imediato dão aquela sensação de prazer com sua doçura característica. Mas a bala de limão é um pouco diferente. Depois de um tempo, o gosto doce que antes dava prazer se torna azedo, quase insuportável. Tem gente que gosta. Ele, definitivamente, não.

Várias foram as tentativas, todas frustradas, e ele sempre acabava com o gosto da bala de limão na boca. Chegou a cogitar a possibilidade de não mais tentar a sorte, esquecer todas as balas ali, no bolso esquerdo de sua calça jeans. Mas no fundo ele sabia que, dentre todas aquelas balas, deveria existir uma única bala de caramelo. Aquela bala que deixaria pra sempre na sua boca um maravilhoso e inesquecível gosto doce.

Depois de algum tempo ele, enfim, tomou coragem, e colocou a mão no bolso, a procura de uma bala pra satisfazer a sua vontade. Resolveu dar mais uma chance pra sorte. Quem sabe, dessa vez, a tão sonhada bala de caramelo seja a sorteada.

Ele pegou uma bala com todo cuidado, minuciosamente tirou o papel, torcendo com todas as forças pra que não fosse mais uma bala de limão. Colocou-a na boca, e por um momento a bala se tornou parte dele. Dois corpos ocupando o mesmo espaço. O sabor, de início era delicioso, e deixou um gostinho de quero mais.

Agora resta saber se, ao fim, vai se repetir a mesma história, e permanecer o gosto do limão, ou se, enfim, ele encontrou a bala certa, aquela que teimava em se esconder no fundo escuro do seu bolso.


Qualquer comparação com a vida real não é mera coincidência...


segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Como num filme sem um fim

Se de um verso fez canção, contemplando a solidão...


Era uma vez um garoto. Assim como eu, ele amava os Beatles e os Rolling Stones.

Esse garoto vivia na lua. Se não era na lua era num universo paralelo. Ou talvez até fosse o mundo real, mas sua cabeça com certeza não estava aqui, ela vagava na solidão dos quatro cantos estelares, sempre na esperança de encontrar um semelhante.

Era um garoto diferente. Ele não sabia o que queria, mas fazia questão de fingir que sabia. Orgulhoso como ninguém, sabia o que falar na hora certa a falar. Era muito racional, e isso diversas vezes foi mais um defeito do que uma virtude. Apesar de tudo, era um garoto ingênuo, e às vezes (sempre) se decepcionava.

Por ser um garoto que não costumava ter muitas companhias, desenvolveu seu lado racional, e esqueceu a emoção por um breve período de tempo, o bastante pra praticamente defenestrar seu coração, e colocar no lugar um cubinho de gelo.

Era meio inconseqüente, esquecia que alguns de seus atos e palavras podiam ferir mais profundamente que se utilizasse de uma espada. Mas o fazia sem intenção, e pedia que o absolvessem.

Alguns tentavam fazer contato com o tal garoto. Poucos conseguiam algum êxito. Foi então que apareceu uma garota.

A garota conseguia modificar totalmente o espírito dele. Ela transformava as noites frias e escuras da monotonia lunar em um espetáculo psicodélico onde a trilha sonora não importava, contanto que ambos soubessem cantar. Aos poucos, o ponto alto do seu dia passou a ser à noite. Ele esquecia que tinha compromissos logo cedo e se jogava aos encantos da madrugada, noite à dentro, vida à fora.

Mesmo com tamanha mudança na rotina, ele sabia o que estava fazendo. Ele sabia de seus limites, e sabia até onde podia ir. Ou pensava que sabia. Já se decepcionara tantas vezes, e aprendera tanto com isso que uma a mais não lhe faria cair a ponto de não conseguir levantar. Afinal, ele era mais razão do que emoção.

Aos poucos, a situação pareceu mudar, mas ele só percebeu isso ao ficar sem a companhia da tal garota. A abstinência despertou a dependência, e ele sabia que isso refletia nela também.

Felizmente era um garoto que conseguia envolver seus pensamentos em um recipiente e deixá-los de lado diante da correria cotidiana. Mas depois disso esses pensamentos teimavam em aparecer durante todo o dia. Uma música, uma frase, e até o horário no cantinho inferior direito do seu computador podia ser a chave que liberava os pensamentos, e a partir disso eles se perdiam no horizonte infinito de uma tarde nublada.

Ele tremia, mas não sabia se era de frio. Desejava com todas as forças que aquilo continuasse, que cada um controlasse do jeito que podia, e que aquelas noites de intermináveis piscares de olhos voltassem a se repetir por toda a eternidade.

Temia ter sido precipitado a ponto de estragar tudo dizendo que os limites não existiam mais. Errou mais uma vez. Era óbvia a existência de tais limites. Ambos sabiam, mas ele, sem pensar, ignorou. Logo depois se arrependeu. E mais adiante quis bater com a cabeça numa pedra lunar. O coelho não deixou, felizmente.

Agora o garoto vive assim, esperando a noite chegar pra receber mais uma dose de atenção da garota, ainda tremendo sem saber ao certo se é realmente o frio, mas com a promessa de não agir mais sem pensar, como inconseqüente que é.

Hoje o garoto me ligou, mandou dizer que sente muito.